26/10/10

MODELAGEM DAS TAREFAS E PROCESSAMENTO VISUAL NO AUTISMO

Entre as crianças com autismo, a capacidade e o interesse pela imitação variam. Muitas vezes, as dificuldades de imitação são evidentes sobretudo em questões de natureza social, como imitar a forma de agir dos seus pares, e não tanto (mas também) em tarefas como imitar uma construção com peças de madeira.

Tendo em conta esta possível dificuldade, no momento de ensino de determinada actividade que se baseia na imitação, deve-se dividir a tarefa em tantas partes memorizáveis quanto possível, em detrimento de deixar a criança simplesmente a observar o modelo.

Além disso - e porque as crianças com autismo, apesar de olharem para o modelo no seu todo, experienciam grandes dificuldades na percepção do todo e na análise dos seus componentes e a forma como estes se inter-relacionam, focando-se em determinados detalhes - numa actividade de construção de uma pirâmide com blocos de diferentes cores e tamanhos, se dermos à criança a caixa de blocos e esperarmos que ela reproduza o modelo vamos verificar que será uma tarefa demasiado complicada.

No entanto, se a ajudarmos, numa primeira fase, a dividir os blocos por cores e depois por tamanhos, e depois dividirmos o todo em partes, mostrando-lhe como construir a pirâmide por camadas, seleccionando os blocos de determinada cor e tamanho necessários a cada uma delas, a criança desenvolverá estratégias de compensação à sua incapacidade de percepcionar o todo e conseguirá completar a tarefa.

De facto, esta característica perceptiva pode até explicar a insistência em certas rotinas como beber o sumo de maçã sempre num determinado copo como se não lhes fosse possível separar as características do sumo de maçã das características do copo e não perceberem, portanto, que o sumo de maçã terá o mesmo sabor independentemente do copo em que seja servido.

Outro exemplo característico do processamento visual na criança com autismo (e da sua implicação na modelagem de tarefas) é a construção de puzzles. É frequente verificar-se que a criança com autismo, em vez de procurar 2 peças que pareçam ser adjacentes (pela observação da imagem), tende a manipular as peças ajustando as formas entre si, independentemente da imagem das peças corresponder.Existe, inclusive, um estudo que mostra que as crianças com autismo têm desempenhos semelhantes na resolução do mesmo puzzle, quer a sua superfície esteja em branco, tenha um desenho abstracto ou uma imagem concreta – centrando-se na forma e não no conteúdo. As crianças em idade pré-escolar, com um desenvolvimento convencional, preferem claramente os puzzles com imagens e têm um desempenho mais rápido nos mesmos.


Adaptado de: Siegel, B. (2008). O mundo da criança com autismo. Porto Editora

2 comentários:

  1. "e porque as crianças com autismo tendem a percepcionar um modelo complexo como um todo e experienciam grandes dificuldades na análise dos seus componentes e a forma como estes se inter-relacionam". Tenha atenção a informação errada, consulte a teoria da coerência central e verá que é exactamente o oposto do que afirmou.

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  2. Caro Anónimo,

    Tem toda a razão no que afirma e, de facto, de acordo com a teoria da coerência central - e tanto Uta Frith como Francesca Happé são especialistas reconhecidas na área - a criança com autismo foca-se em determinados detalhes em detrimento do todo. Longe de mim, contrariar o que está cientificamente comprovado.

    Esta informação que retirei, conforme citado, do livro de Bryna Siegel, não me parece, no entanto, completamente errada. Ou melhor, julgo que se trata sobretudo de uma questão linguística que, reconheço, induz em erro.

    A forma como a interpretei e que tentei reproduzir foi a seguinte: perante um modelo de construção para imitar, a criança com autismo não consegue proceder à análise dos seus componentes e da forma como estes se inter-relacionam e, daí também (porque não será o único motivo), a dificuldade na imitação do modelo. Mas, tem toda a razão no que afirma, não é por percepcionar a imagem como um todo. Ela "olha" para o todo, e "vê" o todo, mas percepciona, ou foca-se apenas em detalhes.

    Se reparar, aliás, a dada altura é dito "a criança desenvolverá estratégias de compensação à sua incapacidade de percepcionar o todo"
    pelo que essa questão não está em causa.

    De qualquer forma, e porque considero que, de facto, conforme está escrito pode induzir em erro, farei uma alteração na mensagem que a torne mais clara e cientificamente correcta, mantendo obviamente o seu comentário.

    Obrigada pela seu reparo. É nestas trocas que todos podemos evoluir!

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