21/03/11

Direito a Brincar

Em criança, não me lembro de não ter tempo para brincar, para fazer o que me apetecesse, para estar até sem fazer nada. Recordo-me aliás de, a dada altura das férias grandes (e que, nessa altura, eram mesmo grandes), me queixar de já não saber o que fazer com o tempo, o que deixava a minha mãe indignada, a olhar para mim e para os meus brinquedos, enquanto me dizia: “Vai brincar!”, como quem diz: “Aproveita!”.

Hoje, como mãe e como pessoa que trabalha com crianças, angustia-me perceber que esse tempo para brincar se perde se não fizermos um esforço para o conceder às crianças. O ritmo do dia-a-dia mudou, os avós já não estão tão disponíveis, as férias já não são tão grandes e são muitas vezes preenchidas com actividades e mais actividades, porque a organização familiar assim o exige.

Mais ainda, custa-me ouvir crianças a queixarem-se de cansaço, não porque estiveram a correr ou a saltar, mas porque simplesmente vivem a um ritmo quase alucinante. Mesmo no dia-a-dia, as crianças ficam cada vez até mais tarde na escola, em actividades estruturadas e, após a escola, têm ainda várias actividades extra-curriculares porque todas parecem importantes (actividades desportivas porque é desporto e faz bem à saúde; música, porque é uma actividade enriquecedora e importante para a aprendizagem; línguas, porque são importantes para o futuro; etc, etc.) quer sejam os pais a propor/impor, quer sejam as próprias crianças a pedir.

Reconheço que, mesmo como mãe, me deparo com o dilema de que actividade(s) escolher com as minhas filhas, tendo em conta primeiro que tudo os seus interesses mas também todos os outros factores que pesam na decisão (horários da actividade, preço, organização do horário semanal, logística de ir pôr e buscar, localização, etc.) e, se uma pessoa se deixar ir, quando dá por si, já preencheu completamente o horário semanal da criança e o brincar, como as próprias crianças são capazes de dizer, fica para o fim!

A questão fulcral aqui é que brincar é tão ou mais importante do que tantas actividades que se propõem por aí. É a brincar que a criança imagina, sonha, concretiza e se abstrai daquele que é o seu mundo e tem oportunidade de experimentar, criar e aprender. Quer seja sozinho ou acompanhado, os momentos de brincadeira não são só momentos de pausa ou para entreter. São momentos que devem ser valorizados e promovidos!

A criança deve saber brincar sozinha porque, nesse momento, pode dar asas à sua imaginação, sem quaisquer constrangimentos ou limites impostos pelos outros. Mas também deve brincar com os irmãos e os amigos, porque aprende a partilhar, a respeitar os desejos do outro, a aguardar a sua vez, a negociar e a ceder quando é preciso. E, quando se brinca a dois, a três ou mais, a imaginação multiplica-se exponencialmente e o quarto onde se brinca pode transformar-se em qualquer cenário imaginário, com as personagens que se quiserem criar e onde tudo pode acontecer!

E brincar com os pais é essencial para o estabelecimento de uma relação afectiva harmoniosa e segura entre pais e filhos, em que os pais conseguem fechar a porta ao mundo dos adultos e descer ao nível da criança, partilhando com ela momentos de pura diversão (sem interrupções constantes para atender o telefone ou para ir enviar um email urgente para o trabalho).

Se perguntarmos às crianças, elas dirão certamente que a sua actividade preferida é brincar e que, provavelmente, é mais divertido brincar com os pais, os irmãos, os amigos, do que sozinho com o último jogo da consola (que, a propósito, recebem como prenda cada vez mais cedo...). Se a resposta não for esta, a meu ver, é mau sinal... É sinal que têm brincado pouco nos seus curtos anos de vida e que lhes têm faltado companheiros de brincadeira.

E é nessa altura que nos devemos recordar (porque vamos sempre a tempo) que brincar é um direito da criança. E é um direito porque é essencial para um desenvolvimento cognitivo-sócio-emocional saudável. E, por isso, não precisa de ser encaixado no horário da criança, mas também não deve ser deixado para o fim... porque depois, pode já não haver tempo!

Boas brincadeiras!